segunda-feira, 4 de abril de 2011

Preto é o novo gordo. (A partir do texto "Gordo é o novo preto" de Léo Jaime).

  Li o texto do Léo Jaime e percebi que a recíproca é verdadeira. Na era do culto ao corpo, com a proliferação das academais, estar acima do peso é infringir o 11° mandamento judaico: "Não excederás o IMC 25". Os gordinhos passaram a experimentar o aumento dos olhares de reprovação e das risadas por entre os dentes. O próprio Léo Jaime teve o seu talento visceral questionado pelo acúmulo de gordura. Muitos creditam o sucesso retumbante do Capital Inicial - único sobrevivente da geração 80 - à aparência atlética e jovial do vocalista Dinho Ouro Preto. Mas o preconceito destinado aos gordinhos é light. Ainda não foi necessário criar o Dia da Consciência Gorda ou a Parada do Orgulho Obeso. Ninguém impede o ingresso de um gordinho numa balada VIP, muito menos o tem como suspeito preferencial em meio aos transeuntes de uma via pública. A reprovação, na maioria dos casos, é sutil. Por isso, o negro é o novo gordo.                            
     O preconceito racial está mais brando. Basta dizer que o Lázaro Ramos interpreta um galã na novela das oito. Aliás, quando querem exemplificar que conseguimos espaço na televisão citam a Taís Araújo e a Camila Pitanga. Espere aí! Quantas negras eu conheço, ou tenho na minha família, que se pareçam com a Taís Araújo ou a Camila Pitanga? Nenhuma! Isto é preconceito light. Para a atriz negra protagonizar a novela das oito, ela tem que ser linda e o menos negra possível: grande parte do público não acha que a Camila Pitanga seja negra... Por acaso, a Ruth de Souza, a Zezé Mota e a Neuza Borges já protagonizaram a novela das oito? Essas são negras, de verdade!
     Quando entrava em sala, num cursinho particular no bairro do Maracanã para ministrar para adolescentes da classe média, os alunos, educadamente, perguntavam as minhas credenciais: "O sr. já trabalhou no colégio A? E no cursinho B?". Apertando a tecla SAP apareceria: "Ô negão, tem certeza que você tem qualificação pra estar aí, de pé?". Mas, não ousavam pronunciar tal frase. Antigamente era preconceito de verdade. Lembro que durante o primário, nos anos 70, fui 'elogiado' várias vezes por ser "um negro de alma branca" (sic). Lembro da professora de Estudos Sociais explicando a teoria da evolução: "Creio que foi Deus quem criou o homem, mas não podemos negar que algumas pessoas parecem descender dos macacos" (sic). Lembro que todos os anos eu dançava  a quadrilha junina com a Janaína, única coleguinha de sala negra, como eu... Ainda somos os alvos preferenciais dos programas de auto-ajuda que proliferam na TV brasileira, distribuindo casas pré-moldadas e fortunas de dez mil reais. Mas também, somos seguidos no twitter (ou, também somos...), estamos no teatro, na música, no cinema e as mulheres negras já conseguem, até mesmo, decorar coreografias complexas como dançarinas em programas de auditório. (É bem verdade que o Sílvio Santos e o Gugu ainda não ratificaram o feito, mas estamos a caminho!). Com o microfone nas mãos, ainda não... Já seria demais!
     No meu ramo são poucos os humoristas da dita 'nova geração do humor' que são negros: Luís Miranda, Marcelo Marron e Carlos Henrique. Ninguém mais! Quantos humoristas negros estão em cartaz no Zorra Total, Legendários, Show do Tom? Quantos fazem os sitcoms da Globo? Nenhum! Quantos redatores negros você conhece? Tratar a palavra com apreço é minha vocação, mas por maior que seja o meu talento, meus textos sempre chegam para análise escritos em fonte preta. Tenho o péssimo hábito de não usar caneta azul. Preconceito hoje é assim: brincadeirinha... O preto é o novo gordo!